sexta-feira, 30 de junho de 2006

No meio do caminho tinha uma casa


Ô caminhozinho abençoado esse que faço do trabalho pra casa, de casa pro trabalho... de bicicleta ou de carro. Já rendeu e continua rendendo. Hoje, as pernas vieram pedalando do lado de fora e Maria veio pedalando por dentro, fazendo correr meu cérebro por diferentes tempos e espaços. Mas, vamos por ordem temporal: Ontem, na volta, de carro, acompanhei meu amigo por um caminho diferente, um atalho que ele conhece. Uma estrada de terra, cheia de encruzilhadas. Segundo ele eu tinha que conhecer, pois lá estão fazendo uma estrada nova que vai ligar Taubaté e Tremembé pelos fundos; acontece que no meio dessa estrada existem casas, casas antigas e simples que serão derrubadas, e ele queria que eu fotografasse isso. OK, vamos lá. E fomos. Mas, bem antes das tais casas já vi uma árvore que fiquei com os olhos coçando para fotografar, mas nem deu. Volto lá outro dia, hoje não dá porque vim de bicicleta. Chegamos no local, um frio... o pôr do sol cinzento, não tava muito interessante, achei que não dava para entender sem o contexto da estrada nova que as casas velhas estavam com os dias contados. Mas tá. clikei, uma, duas, três vezes. Meu amigo falando (ele fala muito, é divertido). Contei dá árvore, ele deu risada. Vamos voltar lá? - Não dá tempo, argumentei (morrendo de frio, preocupada com minha garganta), tenho que pegar a pequena na escola, e a luz está feia... Fomos. As casas ficaram lá, meio tristes, no frio, como cachorros abandonados na estrada...




No meio do caminho também têm umas histórias...

Quanto a hoje, como já disse, eu vinha pedalando por fora, cobra Maria por dentro (- Como isso? - alguém poderia perguntar - como cobra pode pedalar se nem pernas ela tem? - "Ora, santa - ela responde de pronto, cérebro também não tem pedal e nem por isso..."

Bom, mas o caso é que ela me levou pra longe, prum tempo que só existe na minha memória através da memória dos meus pais e avós. Pro tempo das histórias de Pai Norberto, um padrinho que eu não conheci (pelo menos não que eu me lembre, já que ele me conheceu bebê ). Padim Norberto, de um centro de umbanda lá de São Paulo, próximo ao Minhocão. Segundo minha mãe me conta, ele era poderoso, até disse a ela que o pai dela, sumido há muito tempo, ia procurá-la, e procurou mesmo uns dias depois. Fico feliz de ter tido um padrinho negro, e, melhor ainda, poderoso. Quem me conhece sabe que admiro demais tudo que vem dessa gente, que a capoeira me ganha sempre que dela me aproximo, e que sinto muito não ter estudado mais, na infância, sobre a história da África... O mesmo sinto em relação a nossa cultura indígena. Bom, mas isso já é outro assunto. Consta é que Pai Norberto, já falecido, foi quem sugeriu o meu nome, aliás, meu DUPLO nome, que acabou ficando Auira Ariak, graças a uma sábia iluminação do meu pai, que tirou o "z" do primeiro nome (quase que me chamo Alzira Ariak, ufa...). Enfim, esses dois pais aí (que infelizmente não estão mais nesse plano) é que foram responsáveis pelo nome de que eu tanto gosto, tão rico de significados. A história nunca me foi contada com detalhes, mas isso está longe de ser um problema para Maria, a cobra louca por uma história, que pedala dentro de mim.
Eis a história - bem resumida, que os detalhes ainda estão na lapidação, recontada na versão de Maria:

Ariak, segundo contam, era um guerreiro africano, que vivia em sua tribo, lá nos lados orientais da África. Ali ele era muito feliz e zelava pela felicidade de sua aldeia, protegendo seu povo dos inimigos. Mas um dia, a fúria da ganância dos homens conquistadores de terras e dinheiro chegou forte e levou Ariak com eles - não antes porém, dele conseguir deixar a salvo parte de seu povo. Foi assim que Ariak veio chegar no Brasil, como escravo-triste e zangado, banhado de banzo e indignação. Não demorou muito para que ele conseguisse fugir da chibata (quem sabe com ajuda da capoeira, já nascida) e se embrenhasse na mata virgem brasileira. E lá foi ele, procurando algo além da liberdade, que não sabia o que era, mas que procurava firme. Bom, não é preciso ser bidu para prever quem vem agora na história. E vem mesmo: Auira, uma índia de tribo há muito extinta, estava também sozinha na mata, e, curiosa que era, procurava firme, algo que também não sabia, mas que não tardava acharia. E acharam juntos, no momento que seus olhos se encontraram, no meio da mata virgem, em algum lugar do Brasil. Auira e Ariak, por lá viveram, a salvo, durante muito tempo. Mas a furia implacável dos homens mais uma vez chegou, mais uma vez levou pra longe de Ariak aqueles que ele amava. Trouxeram a doença dos brancos pra tribo de Auira e esta, como outros tantos, não resistiu. Ariak, desta vez, também partiu, mas não como prisioneiro. Abraçou seus filhos com força, e seu sentimento foi tão forte naquela hora que sumiram todos naquele abraço contidos. Alguns viraram peixes, outros pássaros e outros ainda plantas. Mas Ariak virou mesmo foi nome, que preferia sim ser só nome, desde que ao lado de Auira. E cá, ainda estão.

Ô Maria, obrigada!



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