terça-feira, 13 de junho de 2006

Equilíbrios



Tem imagens que precisam de tempo para acontecer de forma a serem compartilhadas em outros tempos e por outros olhos. No caso desta - que não está aqui, que isso fique claro, aconteceu para os meus olhos unicamente e num único momento. Ao sacar da câmera já a havia perdido, ficou o fragmento daquilo que poderia ter sido junto com a esperança ilusória de ser capaz de recuperá-la, ou, ainda mais ilusão: que um dia ela venha a se repetir, mas, dessa vez à tempo de ser capturada pelos meus olhos digitais. Tratava-se do seguinte, eis que durante o caminho do trabalho - que tenho feito cada vez mais de bicicleta e cada vez menos de carro (assim coloboro com a natureza, com meu corpo e ainda promovo a união de ambos, corpo e natureza, em busca de um equilíbrio) - o tempo da bicicleta, como é bem sabido, é diferente do dos carros, e nos possibilita uma observação em duas rodas, ao invéz de quatro, isso responde por uma significante mudança também no cenário que revelar-se-á. E revelou-se. Ali, a meu lado, estava a imagem de equilíbrio dentro de uma família. Pai, mãe, dois filhos e um pássaro (elemento importantíssimo para fazer reinar a paz). Revelados na imagem do boi, da vaca amamentando, do outro filho dormindo e ainda do pássaro branco, tal qual mordomo da família, pronto a acabar com qualquer carrapato que ousasse semar discordia. Essa imagem ficou lá, como que em câmara lenta revelando-se pra mim, enquanto ia ficando pra trás das minha duas rodas... Não resisti e voltei. Saquei. Armei. Mas, no disparo, não existia mais a mesma revelação. Ainda tentei convencê-los a posar, mas o chefe da família, vendo que eu não apresentava perigo - e talvez sabendo das minhas intenções, virou o rosto e ficou fingindo comer um capim atrás da pata. A mãe também me ignorou, continuando absorta em suas considerações e pensamentos (tão misteriosos pra mim). As crianças nem me viram, e o pássaro foi quem me pareceu mais incomodado, ameaçou um vôo, mas preferiu ficar encolhido me olhando com o canto de olho. Não deu. Atrasada, montei no camelo e sai em disparada. Nem desliguei a máquina que quase fica sem bateria. Isso é o que dá atrapalhar o equilíbrio alheio.

Um comentário:

Anônimo disse...

Auiroca,

a cada dia, mais satisfeito e orgulhoso com seu entusiasmo observador e criativo, com sua renovada atenção ao mundo, ofertando-lhe os olhos digitais e, mais do que eles, meros instrumentos, o seu próprio e peculiar filtro para registrá-lo.

beijo grande, amor.