quarta-feira, 9 de setembro de 2009

uma curva no tempo

Depois daquele domingo já virei a mesma esquina outras vezes, mas nunca mais o farei indiferentemente. O olhar assustado e estatelado, já sem vida, e o corpo frágil ainda quente em meu colo estão vivos em minha memória, e, cada vez que virar aquela esquina durante toda minha vida vou me lembrar do instante em que atropelei meu próprio cachorro...
Engraçado não ter conseguido escrever sobre isso antes, acho que precisava desse tempo,
desse distanciamento, afinal, dizem, "o tempo é o melhor remédio". Pra tanta coisa deve mesmo ser, pra outras talvez seja o veneno servido homeopaticamente até o fim do "tratamento".
Não sei o quero escrevendo sobre isso, talvez filosofar um pouco sobre o sentido da vida, talvez criar uma bela e triste poesia, talvez simplesmente desabafar. Talvez ao final desse texto eu descubra, talvez não. Acho que nem há muito coisa a descobrir, uma vez que o fato é: num exato momento a gente faz uma curva e o tempo já não volta mais, na verdade ele é abruptamente interrompido e não há o que fazer. Chora-se, enterra-se, lamenta-se, admite-se o momento do erro, o momento exato onde poderíamos evitar o acontecimento. Descobre-se até que esse momento é incalculável, pois fazemos escolhas o tempo todo, bastasse que uma delas fosse diferente e, talvez. Mas não é possível voltar atrás e isso é condição do presente, do fluxo da vida, mas não do pensamento. Este sim, volta, querendo ou não, e posso ver a mesma cena por diferentes ângulos, assim vou tendo certeza que o trauma será pintado por cores diferentes a cada vez que fizer a mesma curva, seja com meu carro, meu olhar, ou meu pensamento. Uma poesia? Não consigo imaginar algo que não fosse de mau gosto, assim como um filme, que um amigo me disse pra fazer quando soube do ocorrido; Não dá. Apesar disso admito que lembrei mais de uma vez do filme Cão Sem Dono; Chorei bastante no final deste filme, que não achei de mau gosto, mas não me considero tão artista a ponto de transformar um fato como este da curva que fiz em história de ficção ou documentário. Mas me arrisco num texto, como podem ver. Acho que é isso, "me arriscar" num texto como este, que se pode apagar e reescrever, que se pode dizer o que aconteceu da forma como pudemos traduzir em palavras escritas, sem nó na garganta, sem lágrimas, e voltar atrás se for preciso, para corrigir. Controlada(mente).
Acho que escrevi também só para registrar este pesar de não poder fazer nada mais a respeito apesar de querer poder passar a mão no pelo do meu alegre cachorrinho, ainda vivo, como se fosse meus pedidos de desculpas e dizer, Pingo, - Foi sem querer.

2 comentários:

Amora disse...

Texto sincero e profundo.
Tenho certeza que viveu bons momentos com seu cachorrinho e que ele sabe que foi sem querer...
Gostei muito do blog!

Amora.

Auira Ariak disse...

Obrigada, Amora, seja lá quem seja, adorei seu nome. Volte sempre!