quinta-feira, 19 de abril de 2007

"Diga: trinta e três."


Pois é... essa menininha loira, carinha doce de sonhadora, tento recuperá-la aqui dentro, todo santo dia.
Fui crescendo, o cabelo escureceu... Passou por diversas fases: chanelzinho, curto como um menino, com franja, sem franja, curtinho de novo... Deixei crescer, as pontas encaracolavam um pouco. Depois veio a fase de mudar a cor, voltei a ficar loira, depois morena (fase curta), meio ruiva, avermelhado, castanho claro...
tava compridão, resolvi mudar radicalmente, cortei tudo, fiquei careca e viajei pro Ceará (foi ótimo, ninguém me conhecia lá e não ficaram perguntando: "Nossa! Porque vc fez isso?!", além do que, lá é um calor que só mesmo sem cabelo pra guentá, vixe!). E, naturalmente, as fases do cabelo corresponderam a diversas fases da minha vida, a neta querida que fui corresponde principalmente a essa fase bem loirinha, "Auirinha", depois chanelzinho... Na escola era bem sapeca, tinha muitos amigos meninos, gostava de me esconder na hora do recreio e não voltava pra sala de aula - o cabelo era curtinho. No primeiro grau tinha aquele "escorridão", imitando os cabelos da minha mãe, que eu amava acima de tudo. Segundo grau, já foi mais rebelde; adolescente, naturalmente cortei bem curto de novo, usava um brinco de guitarra elétrica e tive até uma mobilete. Meus pais se separaram eu já tinha dois irmãos meninos, fui morar com meus avós; nossa, como eu briguei com a minha mãe desde então... O primeiro namorado mais sério veio lá com uns 16 anos, cabelo na altura dos ombros, muito rabo de cavalo... Fase gostosa aquela, sentimentos intensos que a gente tem que aprender a controlar nuns momentos e soltar em outros, nesse aprendizado tive vários "desarranjos", mais foi muito bom. As primeiras viagens sozinha, as primeiras desilusões amorosas... A faculdade foi a mudança mais esperada, a saída pra outra cidade, fazer cinema no Rio de Janeiro! Deixar a família um pouco pra trás foi essencial. O cabelo nem importava nessa época, era qualquer um, do jeito que tava era bom, e, foi bom! 12 anos morando lá em Niterói, aos 22 a primeira filha, que susto, que virada, zera tudo, recomeça, volta pra casa do pai, repensa a vida. Levei um tombão naquele tempo... O pai da Verena, com quem fiz tantos planos, com quem queria compartilhar tanta coisa, surtou e até hoje não conseguiu voltar... Difícil. Juntei as forças, voltei pra Niterói, tantos amigos, especialmente o Marcelão, padrinho da Verena, foram essenciais para essa retomada, assim como, claro, o apoio sempre incondicional da minha família. Fui morar perto da praia. Terminar a faculdade, fazer vários filmes, projetos, trabalhar, viajar pelo Brasil, tudo foi possível. A Verena foi o presente mais precioso que ganhei, amiguinha de todas as horas. Outros tombos vieram também, mas com a Verena do meu lado tudo foi mais fácil, quem diria... E fui com ela pro Ceará, fiz outros lindos amigos, voltei pra Niterói, fazer um longa com os amigos da faculdade - que sonho! O filme saiu esse ano (sete anos depois)! Outras viagens, Bahia, Maranhão... A inesquecível aldeia dos índios Kanela onde ganhei um novo nome: "Japzecue". A morte da minha querida avó... Encarei um mestrado. Aquela menininha, a loirinha, agora é mestre em Ciência da Arte, expôs seus quadros de fotografia com pintura que juntavam a capoeira e o circo numa grande celebração do riso, da alegria, e foi aí que chegou a Luanda, minha caçula, tão alegre, tão intensa. Ela é festa pura, hoje já me cantou os "Parabéns" umas cinco vezes, correndo e pulando, na maior alegria. E voltei pro início de novo, outra filha, outro relacionamento que acabava antes de compartilhar o melhor que pode acontecer entre duas pessoas. E dessa vez sem meu pai também... Mas com novos amigos, nova força, a capoeira angola já meio incorporada e alguns cabelos brancos devidamente pintados da cor mais próxima do natural possível. E me vejo agora, novamente na casa de minha infância, com duas crianças lindas, com novos sonhos, novo amor e também com novos medos. Mas viva-vivinha: viva! Olhando agora pra essas fases todas e achando tudo bom, reconhecendo os tombos importantes, as pessoas importantes, as viagens importantes e a volta essencial para completar um ciclo. Um caminho de amadurecimento, de auto-conhecimento e de muitas surpresas - afinal, quando é que a gente vai imaginar tudo o que acontecerá na nossa vida. A gente tá quietinha ali, planejando um caminho e de repente pimba, acontece algo que tira o prumo e muda o rumo. Assim é comigo, pelo menos. E agora, que eu cheguei aqui, com 33, olho pra mim como se eu fosse uma estante de livros, vídeos, fotos e bibelôs. As experiências ali, meio arquivadas, mas quase todas ao alcance das mãos (melhor, no caso, da memória), elas todas me tornam o que eu sou hoje. Sinto-me uma estante já bem cheinha, bem parecida com a que arrumei esses dias, na sala de casa. E me pergunto quanta coisa mais ainda vou viver, quão longe ainda irei e quantas pessoas ainda vão entrar (ou sair) da minha estante de forma tão contundente. (Será que era um pouco isso também que esse olhar meio melancólico da menina da foto queria perguntar pro ursinho no meu colo?). De qualquer forma, já preparei uma estante nova, bem bonita, para começar a encher a partir de já.

Um comentário:

Cris Amorim disse...

Oi, fiquei esperando a postagem de aniversário. E, valeu tanto...a foto já emociona mas o relato fez com que deixasse escapar uma lagriminha.
Eu lembro desse brinco de guitarra!

Beijo grande minha querida.

Cris.